A pesquisa com células-tronco
Olá caros
ouvintes da Rádio Centre-Ville. Hoje o nosso papo é sobre uma área de pesquisa
médica muito recente e que promete grandes avanços para o tratamento de várias
doenças. A gente vai ver o que são as células-tronco, como elas podem ajudar em
medicina, e também alguns problemas éticos que surgem com esse tipo de
pesquisa.
Quando um embrião
começa a se formar, as poucas células iniciais são chamadas de células-tronco
embrionárias. A propriedade especial dessas células é que elas podem se
desenvolver em qualquer tipo de célula em todo o corpo humano – e, é claro, é
isso que elas fazem quando o embrião se desenvolve. Mesmo numa pessoa adulta,
existem algumas células que mantêm essa capacidade de se transformar em tipos
diferentes de tecido – essas são as chamadas células-tronco adultas. Um exemplo
são as células-tronco que a gente tem na medula óssea, e que durante toda a
nossa vida continuam a se multiplicar e diferenciar, gerando células sanguíneas
novinhas em folha.
Hoje em dia já
temos várias terapias usando células-tronco adultas. A mais conhecida é
justamente o transplante de medula óssea, que já salvou milhares de vidas nos
últimos 40 anos. Fora isso, também tem se desenvolvido pesquisa com o uso de
células-tronco de cadáveres para produzir insulina em diabéticos, e também com
células-tronco neuronais de fetos para tratar doenças degenerativas do cérebro.
Apesar desse
potencial todo, o que promete mesmo uma revolução médica é a pesquisa com
células-tronco embrionárias, que ainda retêm a capacidade de se tornar qualquer
tipo de célula. Essas células são cultivadas a partir de células de um embrião
humano de 1 semana, que consiste numa bolinha microscópica de 100 células.
Embriões nessa fase do desenvolvimento são descartados todos os dias em
clínicas de fertilização artificial. Ao invés de jogar fora, é possível
cultivar essas células cuidadosamente em laboratório, onde elas podem se
dividir indefinidamente, podem ser congeladas e distribuídas por vários
laboratórios.
O desafio agora é
entender melhor como funciona esse processo de especialização das
células-tronco. Se a gente aprender como controlar bem isso os resultados podem
ser fantásticos: regeneração de nervos em pessoas paralisadas, de células
cerebrais em pessoas com doenças degenerativas, recomposição de órgãos doentes
ou simplesmente velhos como o coração e o fígado. Essas promessas fazem com que
hoje em dia centenas de cientistas no mundo todo estejam pesquisando esse
assunto. Só que nesse caminho há vários problemas éticos com que a gente tem
que se preocupar.
O principal
problema surge pela maneira com que se faz a pesquisa. As primeiras
experiências com células-tronco embrionárias, como qualquer nova técnica, são
perigosas demais para se fazer em pacientes humanos. Assim, a alternativa é
implantar células-tronco humanas em animais, e pesquisar a forma como elas se
espalham pelo corpo e se especializam, e as maneiras de controlar o processo
para fins terapêuticos. Agora, caro ouvinte, você já vai ter percebido o
problema: esse processo resulta na criação de um ser que é uma mistura de
humano com animal, o que os cientistas chamam de quimera.
Alguns tipos de
quimera humano-animal já tem sido criados há alguns anos. Por exemplo, desde
1988 são criados ratos com um sistema imunológico humano, que têm ajudado muito
na pesquisa sobre a AIDS. O perigo é a gente fazer uma mistura de animal com
humano que resulte em um ser com inteligência e auto-consciência como nós, mas
não totalmente humano. Essa possibilidade horrível foi explorada já faz mais de
um século no livro de H. G. Wells, ´A ilha do Doutor Moreau´.
Um outro problema
é que a coexistência de células animais e humanas num mesmo organismo pode
facilitar o surgimento de novas doenças, como a gripe espanhola que
aparentemente pulou de aves para humanos e matou milhões de pessoas. Esses
riscos têm que ser considerados cuidadosamente e a pesquisa tem que ser
regulamentada, o que ainda não aconteceu na maioria dos países. Essa
regulamentação é um trabalho demorado e delicado mas importantíssimo – ninguém
quer que a promessa terapêutica fantástica das células-tronco seja destruída
por experiências científicas irresponsáveis.
Ernesto Galvão,
especialmente para a Rádio Centre-Ville.
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Para saber mais:
1- Uma série de
artigos na revista Scientific American sobre células-tronco e quimeras:
http://www.sciam.com/article.cfm?chanID=sa006&colID=1&articleID=000BB369-6D99-12B8-AD9983414B7F0000