Física quântica

 

Às vezes acontece comigo: estou numa festa, acabei de ser apresentado a alguém e me perguntam o que que eu faço. Quando eu digo que faço pesquisa com física quântica, as reações variam: ou me confessam imediatamente que sempre foram péssimos em matemática e fogem;  ou sorriem e começam um papo-cabeça sobre a relação entre a física quântica e o misticismo oriental. Hoje eu vou falar um pouquinho do porquê da física quântica ter essa fama de coisa complicada e misteriosa.

 

Pode parecer surpreendente mas a  física quântica já é uma teoria meio idosa. Ela começou a ser desenvolvida nos anos 20 do século passado  por cientistas como Schrodinger, Heisenberg e o próprio Einstein. Naquela época a física estava enfrentando alguns problemas básicos que desafiavam as teorias mais antigas como a mecânica de Newton. Esses problemas envolviam o comportamento da luz e de objetos muito pequenos como átomos e partículas sub-atômicas.

 

No início, a física quântica apareceu como um quebra-galhos para alguns desses fenômenos. Mas logo ela se desenvolveu numa teoria muito abrangente, e hoje é tão importante que só pode ser comparada a teoria da relatividade de Einstein. Com a mecânica quântica a gente conseguiu entender coisas como as reações nucleares que produzem energia no Sol; o comportamento da luz que nos permitiu desenvolver o laser; e as propriedades dos materiais usados em engenharia e nas indústrias tecnológicas. Testes experimentais têm comprovado a teoria com tanta precisão que há quem diga que a mecânica quântica é a teoria mais bem-sucedida de toda a história da física.

 

Agora deixa eu tentar explicar o mistério dessa teoria. A teoria é um conjunto de técnicas matemáticas que formam uma maquinaria meio complicada que a gente aprende nos cursos de física. O problema não é a matemática, o problema aparece quando os cientistas tentam entender o que está por trás desses cálculos, ou seja, tentam interpretar o que a teoria está dizendo sobre a Natureza. É esse o mistério da física quântica: funcionar ela funciona, e muito bem; mas mesmo os especialistas não conseguem concordar sobre como interpretar os cálculos. E olha que já  tem décadas que essa questão está em aberto...

 

Mas porquê é tão complicado entender a física quântica? Ao contrário de outras teorias, a física quântica sugere que as partículas não têm propriedades bem-definidas a cada instante, o que é bem estranho. Um exemplo disso é que uma partícula às vezes pode se comportar como se estivesse em dois lugares ao mesmo tempo! Ao invés de ter propriedades bem-definidas (estar aqui ou lá), ela se comporta como se estivesse aqui e lá ao mesmo tempo, de uma maneira bem precisa calculada pela teoria. Isso é uma coisa geral e não se aplica não só à posição, mas a todas as propriedades de qualquer sistema físico. Por isso, parece que a nossa intuição de que as coisas tem propriedades bem-definidas é uma intuição falsa, pois não se aplica a sistemas pequenos como átomos, por exemplo.

 

Outro fenômeno quântico estranhíssimo é o que os físicos chamam de emaranhamento.  A teoria prediz que é possível criar duas partículas que se comportam como se cada uma não tivesse propriedades bem-definidas individualmente,  mas somente aos pares. Assim, se a gente afasta essas duas partículas gêmeas e examina uma delas, a outra se modifica instantaneamente devido a essa ligação entre as duas, mesmo que uma delas esteja na Terra e a outra na Lua, por exemplo. Essa ligação à distância é algo que não aparece em outras teorias, e que foi batizada de emaranhamento quântico. Esse efeito foi uma das predições mais polêmicas da teoria, mas foi comprovado experimentalmente com muito sucesso. Ainda mais interessante é que esse efeito está começando a ser usado aplicações tecnológicas na área de telecomunicações e computação. Em outra coluna no futuro eu vou tentar falar um pouco mais sobre isso.

 

Hoje em dia a teoria quântica continua muito bem-sucedida e importante, mas sua interpretação ainda está sendo discutida nos meios científicos. Cada vez mais é possível fazer testes ultra-precisos, e a Natureza até agora parece seguir à risca as predições bizarras da teoria. Pode ser que daqui a uns anos alguém consiga entender melhor o que essa teoria estranha significa na verdade. Eu, por outro lado, acho mesmo é que a gente tem que ir se acostumando a isso – às vezes o mundo se revela mais estranho (e interessante) do que a gente imaginava.

Eu sou o Ernesto Galvão, especial para a rádio Centre-Ville.