O homem de Flores
Oi gente, meu
nome é Ernesto Galvão e eu sou um físico carioca fazendo pesquisa aqui em Waterloo,
Ontario. Hoje eu queria contar para vocês sobre uma descoberta arqueológica recente
que está dando o que falar, o Homem de Flores.
Peraí, quem é
esse Homem de Flores? Não se trata de um florista, esse foi o apelido que
arqueólogos deram a uma nova espécie extinta cujos restos foram descobertos recentemente
na Ilha de Flores, na Indonésia. Se você olhar no mapa vai encontrar essa ilha ali
perto do Timor. O nome da ilha é Flores mesmo, em português, o nome foi dado
por navegadores portugueses no século 17.
Homem de Flores é
um nome assim como Homem de Java, ou Homem de Neandertal – é um jeito de batizar
uma espécie de homínida, ou parente da nossa espécie Homo Sapiens. Essa nova
espécie não é ancestral do homem moderno, é mais como um primo distante da
gente. Mas esse primo é ao mesmo tempo tão parecido e tão diferente de nós que
está fazendo a gente repensar o que significa ser humano.
Mas deixa eu
contar essa história direito. A Ilha de Flores fica mais ou menos perto da Ilha
de Java, onde foram encontrados restos do nosso parente Homo Erectus. O Homo
Erectus era uma espécie que há 1 milhão e meio de anos já controlava o fogo e
fazia instrumentos. Pois bem, os arqueólogos foram escavar na Ilha de Flores
procurando fósseis do Homo Erectus, pois eles sabiam (de outras escavações) que
essa espécie já tinha colonizado a ilha vindo de Java. Foi aí que eles descobriram
os restos da nova espécie, que eles batizaram de Homo Floresiensis (em latim),
ou Homem de Flores em bom português.
Agora, vocês
devem estar perguntando, o que essa nova espécie de homem das cavernas tem de
diferente daquelas que a gente já conhece? Boa pergunta. Primeiro, o tamanho. O
primeiro esqueleto que foi encontrado parecia ser o de uma menina de 1 metro de
altura. Imagina só a surpresa dos pesquisadores quando uma análise cuidadosa
desse esqueleto e de outros sete que foram encontrados mostrou que eram todos assim
pequenos, mas de indivíduos adultos! O mais surpreendente foi quando eles reconstituíram
os crânios, e descobriram que o cérebro era muito pequeno – mais ou menos do
tamanho do cérebro de um chimpanzé. Os nossos ancestrais muito antigos também
tinham cérebros pequenos, só que o Homem de Flores é diferente em dois
aspectos. Primeiro, apesar do cérebro pequeno o Homem de Flores tinha
ferramentas (que foram encontradas com os ossos), o que indica um grau elevado
de inteligência; e segundo, os ossos ainda nem estavam fossilizados – a idade
foi estimada em torno de 18000 anos.
18000 anos pode
parecer muito tempo, mas em termos evolutivos, não é. 100 000 antes disso Homens
modernos como nós já estavam se espalhando pelo mundo. Isso quer dizer que o homem
moderno e esse Homem de Flores conviveram no mesmo planeta por dezenas de
milhares de anos! Isso está fazendo a gente pensar que talvez ainda existam
espécies desconhecidas de homens em alguma ilha da Indonésia. E olha que
interessante: a tradição oral dos nativos da Indonésia mostra sinais disso. Na
ilha de Sumatra os nativos falam de criaturas parecidas com homens, mas
menores, e que vivem na floresta, os chamados orang pendeks. Parece que às
vezes as lendas têm um fundo de verdade...
Mas como é que
essa espécie de homens pequeninos pode ter surgido em Flores? Primeiro foi
necessário que ancestrais da espécie Homo Erectus chegassem em Flores, vindos
de Java. Tem duas teorias para explicar como isso aconteceu. A primeira seria a
construção de barcos, o que seria surpreendente para uma espécie primitiva como
o Erectus, mas a gente sabe tão pouco sobre os nossos antepassados que pode até
ter acontecido assim. A outra possibilidade é um maremoto ter carregado alguns
Homo Erectus para o mar, onde eles podem ter sobrevivido como náufragos por
alguns dias até darem na Ilha de Flores. Uma vez na ilha, o ambiente com
recursos limitados fez com que evolução selecionasse pessoas com menor
estatura, que sobrevivem bem com menos calorias. Isso é um caso clássico de
evolução Darwiniana – na Ilha de Flores isso aconteceu também com uma espécie
de mamute, que aos poucos foi se tornando numa espécie de elefante pigmeu que o
Homem de Flores caçava. Aliás, essa comunidade de Flores deve ter passado maus
bocados nessa ilha: além de caçar mini-mamutes, eles também caçavam (ou eram
caçados) por ratos e lagartos gigantes. Esse ambiente de criaturas
pré-históricas foi quase todo destruído por uma grande erupção vulcânica 12000 atrás – essa catástrofe pode ter acabado
também com os nossos primos de Flores.
Sabe aquela
imagem popular que mostra uma sequência linear desde os australopitecos,
passando pelo Homo Erectus e dando no homem moderno? O entendimento atual da
ciência é de que essa imagem é completamente errada. A evolução é cega, e
certamente não fica tentando aumentar a inteligência, e sim a adaptabilidade ao
ambiente, que é uma coisa bem diferente. Um exemplo disso são os atuais campeões
mundiais de adaptabilidade, resistência e diversidade, os besouros! (convenhamos,
não são muito inteligentes.) Essa idéia de que a evolução foi direcionada para
chegar na gente é uma idéia de fundo religioso, não científico. A melhor
maneira de representar a família evolutiva do homem é do mesmo jeito que a
gente mostra árvores genealógicas: em cada época há uma geração de espécies
relacionadas. A diferença de uma família típica é que atualmente de humanos só
tem a gente – os parentes vivos são um pouco mais distantes, como os gorilas.
As modificações
evolutivas do Homem de Flores são um lembrete de que nós também somos animais,
e sujeitos às pressões evolutivas como todos os outros seres vivos. Essa descoberta
também mostra que há muitas espécies bem diferentes mas que ainda merecem o
rótulo de ºHumanosº. Também dá para ver que não tem uma linha rígida separando o
homem dos outros animais seja em termos de comportamento, inteligência ou mesmo cultura. Quem já ficou olhando os macacos no
zoológico ou tem um cachorro de estimação sabe do que eu estou falando.
E era isso que eu
queria contar para vocês hoje, fiquem ligados pois no futuro outras espécies
extintas de humanos devem ser encontradas em ilhas – ou quem sabe, até uma
espécie ainda viva!