Tsunamis e mega-tsunamis
Transmitido no
Sexta Livre da Radio Centre-ville de Montreal no dia 8-01-2005.
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Até o mês
passado, se você perguntasse a uma pessoa qualquer na rua o que era um tsunami,
provavelmente eles não saberiam do que você estava falando. A catástrofe do
tsunami, ou onda gigante, que atingiu o Oceano Índico no dia 26 de dezembro
trouxe essa palavra para o vocabulário de todos nós. No Com Ciência de hoje eu
vou falar um pouco sobre os tsunamis e sobre ondas ainda maiores e mais
destruidoras, os mega-tsunamis.
Os tsunamis são
ondas gigantes criadas por um terremoto submarino. Mas como acontecem os
terremotos? Como a gente sabe, a terra não é toda sólida como aparenta – o
interior da terra tem rocha em estado líquido, e a crosta é a parte superior,
mais fria, desse material, onde a gente vive. O manto terrestre é a parte que
vem logo embaixo da crosta, e se comporta um pouco como um líquido muito, muito
viscoso. Uma coisa que acontece em líquidos que estão sujeitos a diferenças de
temperatura é uma corrente que a gente chama de corrente de convexão. Quando
você faz um chá já deve ter visto as folhinhas circulando na água da chícara, é
esse movimento que a gente chama de convexão. O manto terrestre se comporta um
pouco como um líquido entre o núcleo quente e a crosta fria, e são as correntes
de convexão que movem as placas tectônicas que formam a crosta. O movimento é
só de uns poucos centímetros por ano. Parece pouco, mas em centenas de anos as
placas se deslocam vários metros, colidindo umas com as outras nas chamadas falhas
tectônicas. Nesses pontos a pressão vai se acumulando e às vezes se libera
repentinamente, e a gente tem um terremoto.
Quando o
terremoto acontece no oceano pode haver um grande deslocamento vertical do
fundo do mar, que por sua vez gera ondas enormes, os tsunamis. Essas ondas
podem viajar a velocidades de até 700 km-h, e quando chegam nas praias ficam
mais altas, chegando a 10 ou até 15m. Os resultados terríveis a gente tem
acompanhado nos meios de comunicação – morte e destruição em massa.
O que pouca gente
sabe é que nem sempre os tsunamis são causados por terremotos. No começo da
década de 50 foram descobertos indícios de ondas enormes na baía de Lituya, no
Alasca. Em 1958 veio a confirmação dramática dessa suspeita: um gigantesco
deslizamento de terra de uma montanha na boca da baía causou a maior onda já
registrada na história. Um grande bloco de pedra desabou de uma altura de 1100
m diretamente na água, criando uma onda que arrancou árvores e carregou pedras
até uma altitude de 520 metros – uma
onda 50 vezes maior do que as que atingiram a Indonésia no mês passado. A sorte
foi que o Alasca é desabitado, e não houve mortes. Mas isso serviu para os
cientistas descobrirem que deslizamentos de terra podem criar as maiores e mais
destruidoras ondas já vistas na Terra, que eles chamaram de mega-tsunamis.
Deslizamentos grandes como esse do Alasca tendem a acontecer nas encostas de
ilhas vulcânicas, como as que formam o Havaí. Essas ilhas são formadas pela
lava expelida pelos vulcões em sucessivas erupções. Aos poucos a água do mar
vai erodindo a base da ilha, e eventualmente acontece um grande deslizamento de
terra, criando um mega-tsunami. A última ilha vulcânica que colapsou assim foi a
ilha de Réunion, no Oceano Índico, há 4000 anos. Estudos no Havaí e em outras
ilhas parecidas indicam que esse tipo de deslizamento acontece em algum lugar
do mundo a intervalos de poucos milhares de anos. Ou seja, quando acontece é
terrível, mas felizmente só acontece muito raramente.
A maior ameaça de
mega-tsunami no futuro já foi identificada: é o vulcão Cumbre Vieja, na Ilha de
La Palma, parte das Ilhas Canárias no Oceano Atlântico. Uma grande rachadura já
apareceu, e um bloco de pedra com 20 km de extensão deslizou 4m durante a última
erupção em 1949. Os cientistas prevêem que esse bloco deve cair no mar depois
de algumas erupções mais – se vai precisar cinco, 10 ou 20 erupções, ninguém
sabe dizer. Isso pode demorar milhares de anos, tempo suficiente para se arranjar
uma solução de engenharia para esse problema. Mas como a Natureza é
imprevisível, se isso acontecer nas próximas décadas a destruição pode ser
enorme.
Simulações
indicam que um deslizamento de terra em La Palma criaria um mega-tsunami que
cruzaria o Atlântico em poucas horas. Toda a costa leste do Canadá, Estados
Unidos, Caribe e até o norte do Brasil, seriam atingidos por ondas de até 100
m. Isso causaria a maior desastre natural que já houve, pois é uma das regiões
mais populosas do planeta.
Vale lembrar que
o risco existe, mas é bem pequeno no futuro próximo. Os cientistas, no entanto,
são categóricos: é uma questão de tempo. É um pouco como a possibilidade de um
impacto de meteoro – é pequena, mas sabemos que vai acontecer um dia.
Desastre naturais
como tsunamis lembram a gente de como a Natureza
é poderosa e imprevisível. No entanto, infelizmente a maior parte das mortes no
mundo são obra do homem mesmo, e não da
Natureza. Mesmo no caso desse tsunami, se a região tivesse os sensores e
sistemas de alarme que já existem no Japão e nos Estados Unidos, milhares de
vidas poderiam ter sido salvas. Como em muitas outras situações calamitosas, nesse
caso também foi a falta de preparo (e dinheiro) que determinaram a dimensão da tragédia.
Ernesto Galvão,
especial para a Rádio Centre-Ville.