Eu fui, e voltei, a São Paulo na sexta-feira para participar da banca de uma defesa de tese de doutorado na USP (tese muito boa, por sinal). Eu deixo o carro no estacionamento do Aeroporto Santos Dumont pois eu pago menos da metade de um táxi só de ida para Niterói. Pois bem, voltando pela Ponte, sexta à noite, eu vejo o painel da Ponte informando “Fluxo Intenso”. Eu pensei: “Fantástico, vou chegar logo em casa!”. Pois é, o pessoal da Ponte não sabe o que é fluxo. Fluxo é a quantidade de alguma coisa que passa por uma superfície, por unidade de tempo. O fluxo de carros na Ponte deve ser medido, por exemplo, por carros/pista.hora pois é a quantidade de carros que passam em uma dada pista em um dado ponto (poderia ser uma das cabines do pedágio, ou em algum outro lugar) por unidade de tempo. Portanto, se os carros estão parados, o fluxo é zero!
O que ocorre é uma confusão entre fluxo e densidade. A densidade é a razão entre duas quantidades, de modo a tornar a grandeza intensiva, isto é, que não dependa das dimensões. Parece confuso, mas se você diz que passam três carros em uma ponte, isto pode ser um congestionamento, se a pontezinha tiver uns quatro metros, ou nada, se for a Ponte Rio-Niterói, com seus mais de 13km. Um milhão de pessoas na praia de Copacabana é bastante gente, mas 30 homens em um banheiro público pode causar muito mais desconforto. Por isto definimos a densidade: falamos em pessoas por m². Vejam porque a grandeza é intensiva: 6 pessoas por m² é cheio no banheiro e em Copacabana, não depende do tamanho do cenário. No caso do congestionamento de sexta, a densidade de carros era alta (quase um tocando no outro). Se considerarmos carros de 4 metros, teríamos 2.5 carros em 10 metros, o que é congestionamento na Ponte, na Dutra, ou em qualquer estradinha.
A densidade de carros determina o fluxo em uma rodovia. Enquanto temos poucos carros, o fluxo depende da velocidade média dos mesmos, isto é, quanto mais carros, maior o fluxo. Mas a partir de uma densidade crítica, o fluxo diminui, quanto mais carros, menor o fluxo pois a velocidade dos carros diminui sensivelmente. É fácil ver no gráfico abaixo:
Já coloquei aqui que Congestionamentos são inevitáveis, segundo os físicos. Além daqueles experimentos, os físicos costumam usar outra técnica computacional para estudar tráfego: os automata celulares. São regrinhas simples, mas que servem para entender como as coisas funcionam e os congestionamentos aparecem. A gente divide a rodovia em quadradinhos e em cada um podemos ter um carro ou não. Dependendo da regra (ou do automata), o movimento de cada carro é determinado: ele pode acelerar, freiar, resolver mudar de pista, etc. Regras como estas reproduzem vários comportamentos de sistemas reais, sem ter que entrar em efeitos psicológicos ou sociais, tais como o número de deputados bêbados no congestionamento. Vejam o exemplo de uma regra:
Além de tratamos o problema mais simples, automatas são próprios para implementação em computadores, frequentemente permitindo paralelização, aumentando a eficiência do algoritmo. O interessante é que fluxo de carros é diferente de fluxo de líquidos (ou fluidos, de uma maneira mais geral). Carros são tratados como materiais granulares, como areia, grãos, etc. apresentando efeitos que não aparecem em líquidos. Um destes efeitos é conhecido internacionalmente como o efeito da castanha-do-Pará (“brazilian nuts”). É o efeito que toda criança que já brincou com Lego conhece: se sacudir a caixa, as peças maiores vão para cima. A explicação é relativamente simples: quando uma peça grande vai para cima, deixa um espaço que pode ser ocupado por várias pequenas e o inverso não é verdade. Outro efeito é aquele que faz com que possamos construir castelos de areia: os grãos molhados agem como se fossem blocos (ou um “cluster”), dependendo da quantidade de água. Água em excesso transformaria o material em um fluido e o castelo não se manteria em pé.
Agora que eu escrevi tudo isto, alguém pode mostrar para o pessoal da Ponte que o fluxo intenso não é o da esquerda, mas sim o da direita ?