O texto abaixo discute um dos meus trabalhos de pesquisa em termos acessíveis a não-especialistas. Veja também o meu artigo “A mecânica quântica das viagens no tempo“, na revista Ciência Hoje n. 290 (março de 2012), p. 20.
A teoria da relatividade prevê, e experimentos confirmam, que viajar para o futuro é simples, basta pisar no acelerador e viajar bem rápido, de preferência com velocidades próximas à velocidade da luz (300 000 Km/s). Quanto mais rapidamente você viaja mais lentamente o tempo vai passar para você, em relação a quem não está viajando tão rápido. Por exemplo, se você fizer uma viagem espacial num foguete, pode passar 1 ano para você e 2 anos (ou mais) para quem fica na Terra, a diferença só depende da velocidade que você alcança. A dilatação temporal é uma previsão simples da teoria de relatividade restrita de Einstein, e tem sido rotineiramente observada em partículas aceleradas, por exemplo, ou mesmo em aviões de carreira com relógios atômicos ultra-precisos. O cosmonauta Sergei Krikalev passou cerca de 2 anos na estação espacial Mir, o que fez com que o tempo para ele atrasasse cerca de 2 centésimos de segundo em relação a nós, aqui na superfície da Terra.
A situação é um pouco diferente para viagens para o passado. Neste caso a relatividade permite, em teoria, mas com algumas restrições. Essas restrições são estudadas, e geralmente aparecem como condições necessárias de auto-consistência: você não pode viajar para o passado e matar seu avô, por exemplo. Viagens para o passado nunca foram observadas, e físicos preveem que talvez sejam possíveis em condições especiais, perto de buracos-negros criados de certa forma especial, por exemplo. Por enquanto, esse tipo de viagem para o passado é somente uma possibilidade teórica, ou seja, ninguém ainda sabe se efetivamente é possível fisicamente.
Essa possibilidade teórica de viagem ao passado interessa a quem estuda computação. Vamos supor que consigamos construir esse tipo de máquina do tempo. Se tivermos computadores que usem esses efeitos, daria para fazer computação mais eficiente, ou calcular coisas impossíveis num computador comum? A idéia é ver como a possibilidade de viagem ao passado ajudaria em computação: um computador poderia mandar parte da memória para o passado e tentar tirar vantagem disso de alguma forma, sem poder violar as condições necessárias de auto-consistência da viagem no tempo.
Computadores quânticos usam efeitos quânticos para tirar vantagem computacional. Existe mais de um estudo diferente sobre como viagens para o passado afetariam computadores quânticos. Eu e meus co-autores Elham Kashefi e Raphael Dias da Silva estudamos duas maneiras diferentes que foram propostas para descrever o funcionamento de um computador quântico capaz de mandar bits de volta no tempo (dois “modelos” diferentes para viagem no tempo em mecânica quântica, como dizemos no jargão da física).
O primeiro modelo de viagem no tempo em mecânica quântica foi proposto por Bennett e Schumacher em 2002, em seminários que nunca foram publicados, e redescoberto independentemente em 2009 por George Svetlichny, da PUC-Rio. Esse modelo usa o processo de teletransporte quântico para descobrir as consequências de mandarmos o estado de um sistema quântico para o passado. No nosso artigo recente mostramos que o modelo de Bennett/Schumacher/Svetlichny (BSS) faz previsões que coincidem com uma maneira curiosa, e relativamente nova, de fazer computação quântica, conhecida como computação quântica baseada em medidas. Mostramos também que o outro modelo, proposto por David Deutsch em 1991, faz previsões diferentes daquelas da computação quântica baseada em medidas, o que evidencia um problema deste modelo. Curiosamente, o modelo BSS dá uma interpretação para uma série de computações feitas no modelo baseado em medidas: cada uma dessas computações corresponde à simulação de uma viagem no tempo diferente.
Nossa crítica ao modelo de Deutsch é especialmente relevante pois este é o modelo usado pela maioria dos trabalhos que estudam os efeitos das (hipotéticas) viagens no tempo em computação quântica. Nossos resultados indicam que o modelo correto para isso é o pouco estudado modelo de Bennett/Schumacher/Svetlichny, o que deve apontar para novas direções de pesquisa no assunto.
Sobre computação quântica: “O que é computação quântica?“, Ernesto F. Galvão (Editora Vieira&Lent, 2007)
Sobre o estudo de viagens no tempo em física moderna: ver o verbete “Time-travel in modern physics“, de Frank Arntzenius e Tim Maudlin, da Stanford Encyclopedia of Philosophy.
O modelo de Deutsch para viagens no tempo: “Quantum mechanics near closed time-like lines“, Phys. Rev. D 44, 3197 (1991).
O modelo BSS de viagens no tempo: Slides de seminário de Charles H. Bennett em 2002. Preprint do artigo: “Effective quantum time-travel“, George Svetlichny.
O nosso artigo: “Closed timelike curves in measurement-based quantum computation“, Raphael Dias da Silva, Ernesto F. Galvão, Elham Kashefi. O link acima é para o preprint, a referência completa é Dias da Silva, Galvão, Kashefi, Phys. Rev. A 83, 012316 (2011).