Passado o calor da discussão, a segunda maior torcida do Rio (os anti-flamenguistas) comentam sobre arbitragem, licença do Bebeto, etc. Até esqueceram o desequilíbrio do argentino-fazedor-de-penalties-desnecessários-ao-segurar-a-camisa-com-as-duas-mãos quando quase quebrou a perna do Cristian. Vamos ao que realmente interessa: o gol do Tardelli é lindo de se ver e mais bonito ainda ao tentar entendê-lo. Ensinamos aos estudantes que a trajetória de um projétil lançado no vácuo segue uma parábola. Como a aceleração é sempre voltada para baixo, a velocidade inicial e a aceleração determinam um plano (vejam aqui, análise de um chute dado por um perna-de-pau). O alcance e a altura dependem da velocidade inicial e do ângulo de lançamento, como na figura abaixo: Isto significa que a bola não poderia fazer curvas além do movimento para cima e para baixo. Em outras palavras, o Tardelli não faria o gol, no vácuo. Mas, ao contrário do que o Galvão possa pensar, a Física permite que o gol aconteça (para a infelicidade da minoria). O que causou a curva na bola foi o efeito Magnus:
A bola girou e o fluido (ar) que a envolvia se movimentou de forma a criar uma diferença de pressão (exatamente como as asas do avião). A diferença de pressão deu origem a uma força lateral que fez a bola se curvar. Veja no vídeo abaixo: aos 45s do vídeo, o Ronaldo Angelim faz um lançamento longo para o Kleberson (a trajetória é parabólica, porque a bola praticamente não gira). A 1:04, vocês podem ver a trajetória da bola vista de trás do jogador.
Ao contrário do que possa parecer, não foi o olhar nem a mexida de cabeça do Tardelli que fez a bola fazer a curva, mas a diferença de pressão ao chutar a bola com efeito (spin). Para descobrir o spin da bola, abram a mão direita e façam o movimento de fechar os dedos da mão (sem mexer o polegar) mas seguindo a rotação da bola. Para onde o polegar apontar, este é o spin. O Didi (folha-seca) chutava de maneira que o spin era na mesma direção da bola, e o efeito era muito mais dramático. A curva feita depende da velocidade da bola (menor que 36 km/h, nem pensar) e do efeito (ou a velocidade de rotação). Ainda depende da densidade do ar (seria menor na altitude) mas o efeito é menos importante.
Mas não foi só isto que causou o gol. Outro fator importante é a percepção da curva da bola pelo goleiro (parece que o Castillos foi se “desmanchando” na direção da bola, sem muita convicção). Segundo Craig, em Judging where a ball will go: the case of curved free kicks in football, artigo publicado na Naturwissenschaften; 93:97-101 (2006); o nosso sistema visual não está preparado para curvas em movimentos (o tempo de reação é maior que algo que vai em linha reta), isto é, demoramos mais para perceber movimentos curvos. Provavelmente foi o que aconteceu com o Castillos (e com os outros 11 jogadores que Craig usou na experiência): demorou a perceber que a bola iria fazer a curva. Depois foi “vendido” para a bola.
Deve ser lindo fazer a simulação do gol, mas o maior especialista que conheço em CFD é tricolor, acho que não se sentirá motivado a fazer isto.
Atenção: um físico não é capaz de repetir facilmente o gol do Tardelli, nem podemos dizer que o jogador saiba física porque conseguiu fazer o golaço. Para os mais antigos, se assim o fosse teríamos a Teoria da Relatividade de Nelinho, do Cruzeiro.
UPDATE: Vale a pena ver a Análise Tática, com tudo que ocorreu antes do chute.
UPDATE 2: Para quem não entendeu o comentário do Galvão e a “Física permite”, veja o vídeo abaixo (outro exemplo de lançamento com curva, mais acentuado que o do Tardelli porque a velocidade inicial da bola foi maior, neste caso):