A física dos faróis de xenon

Hoje mesmo, no “O Globo” saiu uma reportagem sobre os faróis de xenon, aqueles mais luminosos e alguns azulados que tem em carros de playboy e outros mais abastados (espero entrar no grupo, um dia). Uma discussão comum é que, para os faróis, “quanto mais K, menos ilumina”. O K aqui é de Kelvin, unidade de temperatura (não use graus kelvin). Para se ter uma idéia do que estou falando, veja a figura abaixo

Como mostra a figura acima, quanto maior a “temperatura da luz”, maior a luminosidade, medida em lumens. Por que isto ? Veja, na figura acima, a marca de “luz do dia”. É por volta de 5700K. Esta é a temperatura próxima a estimada para a superfície solar. A explicação disto tudo se resume na “radiação de corpo negro”. O Sol é um corpo negro 8-O. O Universo é um fantástico corpo negro 8-O. Um corpo negro perfeito é aquele que absorbe toda a radiação que recebe. Como não há reflexão, o corpo aparece como preto, quando frio. Quando aquecido ele emite radiação. Quanto maior a temperatura, maior a frequência da radiação (lei de Wien) e menor o comprimento de onda. Veja a figura abaixo, da Wikipedia:

Comprimentos de onda maiores que o vermelho (e frequências menores) estão na região do infra-vermelho e comprimentos maiores que o violeta são o ultra-violeta (note que infra- e ultra- se referem às frequências, não ao comprimento de onda). Portanto, para os místicos, lamentamos informar que o arco-íris não tem sete cores, mas um conjunto contínuo de comprimentos de onda. O interessante é que todo corpo negro que irradia, tem o mesmo espectro, só depende da temperatura. É por isto que aumentando a temperatura de uma barra de ferro, observamos a variação de cor, do vermelho até o branco (e até mais dependendo do que você usa para aquecer). A 300K, isto é, na temperatura ambiente (não em Niterói ou Cuiabá), a radiação mais provável é infravermelha ou térmica: por isto que na torcida do Flamengo sentimos o “calor humano”, pois este é irradiado e atinge as redondezas. Na do Botafogo é mais difícil sentir o efeito, exceto quando todos os 16 se juntam em um fusquinha.

Em temperaturas mais altas, a radiação emitida pode cair na faixa da radiação visível. Assim é que distinguimos um pedaço de ferro pintado de vermelho e outro pedaço em brasa: leve os dois para um quarto escuro, o que brilhar é o de temperatura mais alta (sem discussões sobre o que deveríamos realmente fazer em quarto escuro). Curioso: o que chamamos de visível é exatamente a temperatura da superfície solar. Vocês poderiam pensar: “veja só como a Natureza é perfeita: nossos olhos foram criados e projetados para enxergar melhor a luz que vem do Sol! Que admirável trabalho de engenharia e arquitetura biológica”. Nada disto: nossos olhos foram adaptados pela Evolução e Seleção Natural para enxergarmos melhor nesta faixa. E veja como funciona a Co-evolução: outras espécies presas do homem (ou outros predadores diurnos), passaram a ter vantagem ao enxergar no infravermelho (isto é, enxergando o calor emitido pelos corpos quentes) e saindo à noite. Por que não enxergamos no infra-vermelho também? Simples: não há vantagem adaptativa ao enxergar no infravermelho, principalmente depois que dominamos o fogo. Para enxergar no infra-vermelho, a performance no visível iria cair pois teríamos mais informação a ser tratada. Nossos cones são de três tipos, animais que enxergam também no infra-vermelho precisam de mais deles. Aí entra em campo a primeira lei da termodinâmica: conservação de energia. Você tem que tirar de algum lugar para colocar em outro. No infra-vermelho, você não distinguiria, por exemplo, plantas/frutas de cores diferentes onde uma é venenosa. Lembrem-se que coloração ostensiva é frequentemente sinal de alerta. Para enxergar no infra-vermelho, seu estômago deveria ser adaptado para digerir o que é venenoso para nossos estômagos atuais.

Afinal, e os faróis de xenon? Vejam as lâmpadas incandescentes e os faróis halógenos: como a luz é amarelada, elas estão em temperatura mais baixas, mas podem ser menos eficientes, emitindo radiação no infra-vermelho (esquentam muito). Controlando a temperatura de emissão, controlamos a cor da luz. O problema é que em temperaturas mais altas, nossos olhos não são tão eficientes para aqueles comprimentos de onda. Então não é porque com maior K, os faróis emitem menos: são nossos olhos que não conseguem captar, com a mesma eficiência, aqueles comprimentos de onda. Mas porque que em 6000K a luz parece branca ? Por que aí é o máximo de absorção de nossos olhos, para todas as frequências, enxergamos eficientemente todos os comprimentos de onda e a soma deles dá a luz branca. Assim, a medida que um corpo irradia em temperaturas cada vez mais altas, a cor do mesmo vai de vermelho para amarelo para o branco para o azul e o violeta. Por que o sol não é branco, mas amarelo, então? Porque o azul da luz solar foi espalhado na atmosfera (dando a cor azul do céu) e quando retiramos azul, os objetos parecem amarelados.

Apenas para curiosidade: foi a discussão do problema da emissão do corpo negro que deu origem à Mecânica Quântica: a idéia de Planck sobre a existência dos quanta e posteriormente inspirou Albert Einstein na explicação do efeito fotoelétrico, levando a idéia dos fótons (quanta de luz).

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