Independência, discriminação e boicote à Dell

Cheguei do feriado da Independência do Brasil e li um email enviado do prof. Paulo Gomes, professor Titular do Instituto de Física e que foi meu orientador no mestrado. Ele conta os problemas que teve para adquirir um computador Dell em um Instituto de Física. Como um dos professores mais ativos, ele é o lider do grupo de Física Nuclear Experimental, mantém colaborações internacionais, vários projetos aprovados nos órgãos financeiros estaduais e federais, etc. Ele mantém estreita colaboração com físicos cubanos, argentinos, americanos, italianos, etc. Ele mesmo já havia adquirido outros computadores Dell (o computador que hospeda este site e todos os outros do Instituto de Física é um Dell).

A Dell obriga a assinatura de uma “Carta Compromisso”, em que um dos itens é

Não transferiremos, exportaremos, ou re-exportaremos, direta ou indiretamente, quaisquer produtos adquiridos da Dell para: Cuba, Irã, Coréia do Norte, Sudão, e/ou Síria, ou a qualquer estrangeiro com dupla nacionalidade, ou a qualquer outro país sujeito a restrições sob leis e regulamentos aplicáveis onde não estejamos situados, sob o controle de um indivíduo natural ou residente deste país.

Ora, um dos professores deste Instituto é cubano, aprovado em concurso público seguindo todas as regras para tal, e que está se naturalizando brasileiro. O mesmo estaria impedido de usar este computador! Colaborações internacionais é um dos principais mecanismos impulsionadores da Ciência de primeira linha.

Não utilizaremos os produtos em qualquer atividade relacionada ao desenvolvimento, produção, uso, ou manutenção de “Armas de Destruição em Massa”, incluindo, sem limitação, usos relacionados ao desenvolvimento míssil, nuclear, e/ou químico/biológico;

… e isto para um grupo de pesquisa em Física Nuclear, que não fabrica nem se interessa por armas de destruição em massa, mas em pesquisa básica, medições de níveis de radiação, datações, espectroscopia, etc.

O pior foi a explicação da Dell “do Brasil”, do porquê da necessidade da carta nesta compra e não nas anteriores: a conversa estava sendo gravada e para a venda para um instituto de física obrigaria a ter aquela carta. E que se preparem outros cientistas para estas cenas de discriminação explícita.

O prof. Paulo Gomes conta que disse que não poderia aceitar o computador e que a Dell providenciasse a devolução do dinheiro e uma carta explicando o mesmo, já que o dinheiro havia sido retirado de uma conta de projeto financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que havia sido julgado e considerado de interesse por alguns dos mais importantes cientistas nacionais. Ele não poderia aceitar um computador que físicos cubanos e americanos ou de outros países que possam ter interesse em desenvolvimento de armas de destruição em massa, não pudessem usar.

Vale lembrar que o país que cobra este compromisso foi o primeiro a desenvolver tal arma e, pior, a utilizou mais de uma vez.

É lamentável que uma instituição que há pouco acenava com alguns sinais de liberdade, ao distribuir computadores com sistemas operacionais alternativos, agora venha com esta postura absurda, discriminatória, maniqueísta e invasora.

Eu já decidi e removi a Dell do meu cadastro de vendedores.

blog/entradas/independencia-e-boicote-a-dell.txt · Última modificação: 27/Mar/2010 23:52 (edição externa)
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